A notícia de que a Grande Mancha de Lixo do Pacífico já ocupa uma
área 16 vezes maior do que se estimava aumenta a urgência de uma solução
para o problema dos resíduos plásticos, os principais poluidores dos
mares
Acúmulo
de lixo plástico flutuando na costa norte de Honduras, em foto de
Caroline Power: o problema é global (Foto: Caroline Power Photography)
A vida moderna é inimaginável sem os plásticos. Eles estão em
praticamente todos os produtos tecnológicos que caracterizam a
civilização atual. A lista é infindável: computadores, celulares,
televisões e até contêineres e assentos de privada, afora produtos
descartáveis como talheres, pratos, canudos, garrafas, boias, cordas,
embalagens, cotonetes e redes de pesca. Não há dúvida de que é um
produto útil, durável e versátil. Mas também é incontestável que os
plásticos são uma praga ambiental, que contamina todo tipo de ambiente
na Terra. Apenas nos oceanos, estima-se que sejam despejados 8 milhões
de toneladas de plástico a cada ano.
Foca
capturada em rede de pesca (um dos principais itens dos resíduos
plásticos) no atol de Kure, na região do Havaí (Foto: Nature Picture
Library / Easypix Brasil)
Esse volume se espalha por todos os mares do planeta, com
destaque para a chamada Grande Mancha de Lixo do Pacífico, localizada
entre a costa oeste dos Estados Unidos e o Havaí. Essa “ilha” de
entulhos está crescendo mais rapidamente que se previa. Uma pesquisa
recente, publicada na revista científica “Scientific Reports”, constatou
que ela tem cerca de 80 mil toneladas de plásticos descartados, em uma
área de 1,6 milhão de quilômetros quadrados, um pouco maior que o estado
do Amazonas (1.559.159km2) e quase duas vezes e meia o território da
França (643.800km2). O estudo também concluiu que a mancha ocupa hoje
uma área 16 vezes maior do que se estimava.
De acordo com o oceanógrafo Laurent Lebreton, da fundação holandesa
The Ocean Cleanup, que desenvolve tecnologias para extrair a poluição
plástica dos oceanos e realizou a pesquisa, a situação está pior a cada
dia. “Encontramos uma quantidade impressionante e precisamos de medidas
urgentes para acabar com o plástico que ocupa a Grande Mancha de Lixo do
Pacífico”, declarou, durante a divulgação da pesquisa. Segundo ele,
cerca de 20% dos resíduos podem ter chegado à região após o terremoto e
tsunami de 2011 no Japão.
Montanha de lixo plástico em uma ilha das Maldivas, no Oceano Índico (Foto: Alison’s Adventures)
A pesquisa da Ocean Cleanup é considerada uma das maiores realizadas
até hoje para avaliar a extensão da Grande Mancha de Lixo do Pacífico.
Para fazer o trabalho, os pesquisadores contaram com o apoio de 30
navios, várias aeronaves e imagens tridimensionais obtidas do alto e na
superfície. Além disso, 1,2 milhão de amostras foram coletadas. Desse
total, selecionaram-se 50 itens com data de fabricação legível.
Verificou-se que havia plástico de 1977, sete itens da década de 1980,
17 da década de 1990, 24 da década de 2000 e um de 2010.
Fragmentos
A análise também revelou que os pedaços pequenos, que medem menos de
meio centímetro, compõem a maior parte do 1,8 trilhão de peças que
flutuam na mancha, embora respondam por apenas 8% da massa suspensa no
mar. Em todos os oceanos do planeta, estima-se que esse número chegue a
5,25 trilhões, com um peso total de cerca de 290 mil toneladas. As redes
de pesca descartadas são responsáveis por quase metade do peso dos
resíduos.
Pilhas de pneus no leito oceânico da Grande Mancha de Lixo do Pacífico (Foto: Divulgação)
Segundo a pesquisadora Daniela Gadens Zanetti, que faz pós-graduação
em oceanografia com ênfase em microplásticos na Universidade Federal de
Santa Catariana (UFSC), essas partículas estão presentes em todos os
habitats marinhos, desde a superfície oceânica até o fundo do mar, e
estão disponíveis para todos os níveis da cadeia alimentar, dos
produtores primários aos superiores. “Um relatório de 2016 da
Organização das Nações Unidas (ONU) estima que mais de 800 espécies
marinhas e costeiras são afetadas pela ingestão desses plásticos”, diz.
“Além disso, esses resíduos têm um efeito adverso nas indústrias de
pesca, navegação e turismo. O relatório da ONU avalia o custo da
poluição causada por detritos marinhos em US$ 13 bilhões.”
Para o professor Sandro Donnini Mancini, do Instituto de Ciência e
Tecnologia de Sorocaba da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o
problema do lixo de um modo geral é bem complexo e ainda sem solução.
“Se mal conseguimos resolver o problema em cidades, imagine no mar”,
afirma. “Apesar de todos os alertas, como a Grande Mancha de Lixo do
Pacífico, não creio que a situação esteja melhorando, embora tecnologias
venham sendo desenvolvidas para tentar capturar e depois tirar o
material dali. A imensidão do oceano torna isso bem difícil, quase um
sonho mesmo. Mais do que em qualquer lugar, o ideal é não sujar os
mares.”
Amostra
de água da Grande Mancha de Lixo do Pacífico coletada pelo pesquisador
Charles Moore, que descobriu essa área do oceano em 1997 (Foto: Jonathan
Alcorn, Bloomberg/Getty)
Mas os plásticos não são os únicos poluentes jogados ao mar. Como
observa Sandra Tédde Santaella, do Instituto de Ciências do Mar
(Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), o problema vai bem
além deles. “Eles são mais visíveis e por isso mais ‘lembrados’,
incomodam mais e expõem a situação”, afirma. “Mas aos oceanos chegam
vários tipos de resíduos com tempo de degradação muito elevado, como
bitucas de cigarro, latas, fraldas descartáveis, vidro, entulho de
construção civil, concreto, pneus, tecidos, entre outros.”
Praias poluídas
Seja como for, os plástico compõem o grosso da poluição marítima. Um
monitoramento que vem sendo realizado desde 2012, pelo Instituto
Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP) em parceria com o
Instituto Socioambiental dos Plásticos (Plastivida), associação que
reúne entidades e empresas do setor, constatou que mais de 95% do lixo
encontrado nas praias brasileiras é composto por itens feitos desse
material.
Albatroz encontrado morto no atol de Midway, com o interior repleto de plástico (Foto: Dan Clark/USFWS/AP)
O levantamento foi feito em seis praias do estado de São Paulo
(Ubatumirim, Boraceia, Itaguaré, Barra do Una, Jureia e Ilha Comprida),
três da Bahia (Taquari, Jauá e Imbassaí) e três de Alagoas (Ipioca,
Praia do Francês e do Toco). “No total foram realizadas seis coletas,
inicialmente com intervalos de seis meses e, depois, de um ano”, conta o
biólogo Alexander Turra, do IO-USP, coordenador do trabalho. “Dessas,
as mais poluídas são Boraceia e Itaguaré, Praia do Francês e Taquari.” O
monitoramento também mostrou que, em São Paulo, o maior volume de lixo
se acumula nas dunas ou restingas e é proveniente das atividades de
pesca. No Nordeste, o grosso do material é encontrado na areia seca e
vem do turismo.
Diante desses resultados, não é de se estranhar que o Brasil ocupe a
16a posição no ranking dos países mais poluidores dos mares, segundo um
estudo realizado por pesquisadores americanos e divulgado em 2015. Eles
estimaram a quantidade de resíduos sólidos de origem terrestre que
entram nos oceanos em países costeiros de todo o mundo. Aqui, todos os
anos são lançados nas praias entre 70 mil e 190 mil toneladas de
materiais plásticos descartados. Para Sandra, o Brasil é um grande
poluidor porque não há educação, conscientização, sensibilização,
legislação, orientação e punição no que diz respeito ao lançamento de
resíduos no oceano. “Somos todos omissos e culpados, população e
Estado”, conclui.
Arraia-manta nada perto de plástico no litoral da Indonésia (Foto: Divulgação)
Mancini lista cinco condições para afirmar que o Brasil é um grande
poluidor dos mares: economia razoavelmente forte; grande população;
muita gente morando no litoral; muita troca internacional marítima e um
péssimo gerenciamento de lixo de um modo geral. “Ainda falamos em ‘jogue
o lixo no lixo’ e lutamos para acabar com os lixões”, afirma. “Não tem
por que termos realidade e comportamento diferente quando falamos de
poluição dos oceanos.”
Domínio chinês
A mesma pesquisa de 2015 mostrou que a China, a Indonésia e as
Filipinas são os países que mais poluem os oceanos, descartando até 3,5
milhões de toneladas de plásticos por ano. Elas também aparecem nos
primeiros lugares de outro levantamento, realizado pela ONG americana
Ocean Conservancy. Juntos com a Tailândia e o Vietnã, são responsáveis
por 60% dos resíduos desse material encontrados nos mares do mundo.
Segundo Sandra, também é importante lembrar os danos que os resíduos
sólidos causam à fauna marinha, pois muitos animais morrem enroscados em
linhas, sacos e redes de pesca perdidas. “Ou então por ingestão de
pedaços de lixo de diversos tamanhos que ficam no seu trato digestivo
por muito tempo e lhes dão sensação de saciedade, levando-os à morte por
inanição”, acrescenta. “Além disso, muitos ficam aprisionados nas
embalagens, tambores, outros enroscam-se e ferem-se letalmente nos
resíduos.”
Barreira
coletora de plástico que a organização The Ocean Cleanup pretende usar
na Grande Mancha de Lixo do Pacífico (Foto: Divulgação)
O mais grave é que a situação tende a piorar. Um relatório recente,
divulgado pelo governo britânico, concluiu que até 2025 os oceanos do
planeta estarão três vezes mais poluídos com plástico. Outro estudo,
tornado público em 2016 no Fórum Econômico Mundial de Davos, afirmou que
até 2050 os mares da Terra terão mais pedaços desse produto do que
peixes. São materiais que levam pelo menos 450 anos para serem
totalmente decompostos.
Para tentar mitigar a situação atual e evitar que ela piore, a Ocean
Cleanup está desenvolvendo um sistema de grandes barreiras flutuantes
com telas subaquáticas com o objetivo de coletar cinco toneladas de
lixo por mês a partir dos próximos anos. “O esforço pode ser inócuo, no
entanto, diante de um aumento desenfreado da produção de plástico que,
segundo pesquisas, pode triplicar na próxima década”, alertou Lebreton.
“É preciso reduzir o desperdício, criar opções biodegradáveis
alternativas e, principalmente, mudar a forma como usamos e descartamos
os produtos feitos com esse material.”
Depósito de detritos
Descoberta na segunda metade da década de 1980, a Grande Mancha de
Lixo do Pacífico está na área do Giro Pacífico Norte, um dos cinco
maiores giros oceânicos do mundo, entre a costa ocidental dos Estados
Unidos e o Havaí. A mancha acumula resíduos trazidos pelas correntes
oceânicas.
Os detritos (plástico fragmentado, em sua maior parte) encontrados
nessas águas calmas não são detectados em imagens de satélite por causa
de sua baixa densidade: apenas quatro partículas por metro cúbico.
Somente quem está em embarcações que se encontram na região consegue
vê-los.
Esboço de ação
A comunidade internacional também está se mexendo para tentar
resolver o problema do lixo nos oceanos. Em 2011, foi criado o
Compromisso de Honolulu, para discutir a questão de resíduos nos mares
em nível global. O documento é dirigido a governos, indústrias,
organizações não governamentais (ONGs) e demais interessados. Seu
objetivo principal é servir como instrumento de gestão para a redução da
entrada de lixo nos oceanos e praias, bem como retirar o que já existe.
Um dos resultados concretos do Compromisso de Honolulu foi a
assinatura da Declaração Global Conjunta da Indústria dos Plásticos, da
qual a Plastivida é signatária. Para implementar no Brasil esse
compromisso mundial, a associação, como uma das entidades representantes
da cadeia produtiva dos plásticos no país, e o IO-USP assinaram o
convênio em 2012. A meta é se capacitar e desenvolver estudos
científicos para embasar as discussões no Brasil sobre a questão do lixo
nos oceanos.
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